Com informações de: Por Eneuton Pessoa* / Para o jornal Valor Econômico
Os anos FHC, nos quais somente algumas categorias de servidores tiveram reajustes, legou ao governo Lula a difícil questão de conciliar a demanda a advir por aumento de salários com o compromisso de se cumprir as metas de superávit fiscal.
Dado os fatores limitantes a uma política salarial mais expansiva, o governo Lula prosseguiu com a política de reajustes diferenciados de vencimentos. Por meio da reestruturação de cargos e carreiras e de tabelas remuneratórias específicas, bem como guiado pelo princípio da justiça social, foi implantada a política de recomposição salarial, a beneficiar a maioria dos servidores excluídos dos reajustes nos anos FHC. E assim se fez: as informações dão conta de que todos os cargos tiveram reajustes de vencimentos no período 2002-2008. Esses reajustes variaram de 12% (cargos de nível auxiliar da reforma agrária) a quase 270% (os agentes de atividades agropecuárias e de inspeção sanitária e industrial de produtos de origem animal).
Se nos anos FHC os reajustes mais efetivos foram concedidos aos cargos considerados “típicos de Estado”, nos anos Lula se abandonou tal diretriz, no entanto, sem que fosse substituída por outra, mais consistente. Optou-se pelo entendimento de que os salários dos servidores não seriam considerados somente sob a ótica do gasto, e, na perspectiva de retomada das atividades do Estado, os vencimentos deveriam ser compatíveis com as remunerações no setor privado, sobretudo em se tratando dos cargos próximos aos postos de trabalho privados. Houve, ainda, a clareza de que certos órgãos e instituições, por causa de sua importância para a máquina e a ação estatal, continuassem prestigiados.
Mas, a despeito disso, a política salarial foi deveras moldada pela capacidade de barganha das categorias e órgãos públicos: um traço distintivo da formação dos salários públicos é a evidência que as variações de reajuste também guardam correspondência com o prestígio e o reconhecimento institucional dos órgãos. Nesse sentido, os dirigentes dos órgãos pugnam por maiores reajuste para os seus subordinados. Por outro lado, a política salarial é tão mais coerente e orgânica quanto mais se vincule à ação estratégica do Estado. Na ausência disso, grassam os interesses corporativos: legítimos, por suposto, mas que requerem gradações no acesso aos fundos públicos.
No governo Lula, dadas às limitações legais e macro-financeiras, os diferenciais de reajuste seguiram a lógica “small is beautiful”: as categorias mais numerosas, com maior impacto sobre a folha obtiveram reajustes menores. Esse foi o caso dos docentes das Instituições Federais de Ensino. Eles somam quase 71 mil, um dos segmentos mais numerosos, e cresceu 60% nos anos 2002-2009. A categoria teve uma das menores taxas de reajuste: 66%.
Ademais, pela própria lógica da concessão de reajustes, que envolve também o Congresso, os órgãos e instituições sediados em Brasília, próximos do Poder Legislativo, ganham primazia. Em terceiro, os cargos de certas instituições e órgãos, por sua importância e prestígio, a exemplo das funções de Defesa Jurídica do Estado, Tributária, BC e Polícia Federal, tendem a auferir níveis mais elevados de reajuste. Entram nesse rol os cargos aos quais se atribui importância estratégica, a exemplo das atividades de gestão, elaboração e avaliação de políticas públicas, e os novos cargos nas áreas de regulação.
É comum ainda que o conjunto de cargos em um órgão ou instituição seja contemplado com reajustes similares. Isso provoca situações nas quais o mesmo cargo, a depender do órgão em que esteja lotado, remunere de forma assaz diferenciada. O cargo de técnico administrativo, por exemplo, em dezembro de 2008, seu vencimento no início da carreira era R$ 4.693,00 nas agências reguladoras e R$ 1.801,00 no Departamento Nacional de Produção Mineral. Uma diferença de 2,6 vezes.
Os reajustes maiores foram concedidos para o início das carreiras. Uma hipótese é que tal política visou atrair candidatos mais qualificados. Porém, a compressão salarial no âmbito das carreiras inibe a implantação de políticas de avaliação do desempenho. Por fim, a política salarial não logrou reduzir a histórica desigualdade de remunerações. Entre os cargos de nível superior, por exemplo, a diferença entre o maior e o menor vencimento chega a 17,5 vezes.
A diferença salarial no Executivo Federal segue a desigualdade salarial do setor privado e tem raízes históricas. No país foram se criando carreiras de modo casuístico, para proporcionar melhorias remuneratórias, discricionárias e dispersas, geralmente à base de incorporações de gratificações, o que resultou na ampliação do leque salarial no setor público.
Nos anos Lula, a política salarial não reverteu os elevados níveis de desigualdade salarial, antes, é possível que tenha contribuído para o seu crescimento. Premido pelas circunstâncias e à falta de atuação mais estratégica na gestão de pessoal, o governo Lula, não obstante o êxito no nível macro-fiscal, compatibilizando demandas por reajustes e metas de superávit, não logrou superar a irracional estrutura remuneratória no Poder Executivo Federal.
*Eneuton Pessoa é pesquisador no Ipea e professor da Unirio.
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