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ARTIGO: Banco Central: mais independência?

Com informações de: Por Paulo Kliass *

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Inserir na letra da lei a independência do Banco Central seria um absurdo. Não existe nenhum suposto saber científico ou conhecimento técnico dos processos econômicos para justificar eventuais decisões apresentadas como “isentas” por parte do cidadão que toma, circunstancialmente, assento na diretoria daquela instituição.

Parece que, pouco a pouco, setores importantes de nossa sociedade começam a se dar conta dos malefícios causados à nossa economia e ao nosso povo pela forma como são autorizados a agir, aqui nas terras de pindorama, os bancos privados. E vá lá, reconheçamos, não apenas a banca privada, mas o conjunto do sistema financeiro, atualmente sob a orientação de Henrique Meirelles, à frente do Banco Central.

Um dos pilares do dogmatismo ortodoxo dos postulados do neoliberalismo foi, e continua sendo, a tão propalada independência do Banco Central. Naquela onda de reação raivosa a todo tipo de medida reveladora da presença do Estado na economia, inclusive no âmbito da mera regulação, a receita era impiedosa: doses cavalares de liberalização e privatização.

E nessa caminhada tresloucada em busca do Santo Graal das livres forças do mercado, foram sendo configurados os desenhos da maioria dos países ao longo dos anos 80 e 90.

As sucessivas crises por que passavam as economias ditas centrais e periféricas podiam ser resumidas, de acordo com tal visão, à incapacidade da ação do Estado em oferecer as melhores soluções para a chamada “alocação de fatores”. Traduzindo o economês, a idéia é que a “mão invisível do mercado” sempre encontraria a melhor alternativa para preços, quantidades de produtos, níveis de oferta e demanda, etc.

Mas como esse postulado valeria, em princípio, para o conjunto das variáveis econômicas em jogo, o que fazer com a taxa de juros em especial? Bom, nesse caso, abre-se uma exceção e permite-se que a autoridade monetária fixe a taxa de juros, para orientar o mercado. Ou seja, caberia ao Banco Central definir a taxa básica de juros, que passa então a operar como a principal referência para a formação das taxas de juros nos mercados.

Ora, mas não seria essa ação do Banco Central, ela mesma, uma incoerência nos termos da própria dogmática neoliberal? Como aceitar uma intervenção do poder público, em princípio autoritária e ineficiente, na esfera de ação dos entes privados, ao definir a taxa de juros? Pois é, mas o próprio modelo engole tal contradição e sai com um discurso de ordem, digamos assim, mais institucional. Sim, o Estado continua sendo a personificação do grande mal!

Mas como a preservação da ordem vigente pressupõe a acumulação ampliada do capital e não a anarquia dos mercados incontroláveis, há que se abrir algumas exceções para não comprometer o conjunto do sistema.

E façamos um registro de mérito: existem liberais autênticos e radicais que são mesmo contra a existência do Banco Central e a imposição – considerada até mesmo autoritária – de uma moeda para toda a sociedade operar em suas trocas. Como adeptos genuínos do liberalismo, acreditam que o livre jogo das forças de mercado seria o responsável por definir qual o melhor meio de troca que os chamados atores econômicos deveriam utilizar a cada momento. Pelo menos, eles se revelam mais sinceros em seus postulados…

A proposta que aparece, então, é a de liberar as decisões do Banco Central do controle dos agentes políticos, legitimados pelas sociedades em seus respectivos processos de natureza política e eleitoral. A pérola que deriva de tal compreensão é a tal da “independência da autoridade monetária”.

Ora, mas independente em relação a quê ou a quem? No limite, em relação ao conjunto da sociedade! Os diretores do Banco Central seriam indicados para exercer um mandato por um tempo definido, sem nenhuma possibilidade de interferência política em suas ações. Tudo isso com um discurso enganador, baseado numa suposta neutralidade técnica dos indivíduos que passam a tomar assento numa reunião na diretoria do Bacen ou do Copom.

Como se questão de aumentar meros 0,5% na taxa SELIC não tivesse nenhuma razão de ordem política e muito menos conseqüências para o conjunto da sociedade. Afinal, trata-se apenas de um gasto extraordinário anual de R$ 8 bilhões… E para isso não se necessita de autorização do Ministério do Planejamento para gastar e nem se estará sujeito aos contingenciamentos a que são submetidas as demais despesas da área social.

No caso brasileiro, a questão foi resolvida da melhor forma possível para os bancos privados, obviamente. Como se percebeu que haveria muita resistência política à mudança na legislação para assegurar a pretendida independência em termos jurídicos, a opção foi pela via da política.

Na prática, portanto, a autoridade monetária tem operado de forma independente. Tanto que seu atual presidente é um dos poucos colaboradores de primeiro escalão do governo federal que permanecem no mesmo posto desde janeiro de 2003. Pelo desenho institucional previsto no artigo 84 da Constituição, o Presidente da República tem o poder de demitir o Presidente do Bacen e sugerir outro nome para apreciação do Senado Federal.

Mas, na prática, concedeu desde o início e manteve até os dias de hoje todo o poder a Henrique Meirelles para a condução da política monetária.

Ora, mas o que justificaria um modelo organizacional que concedesse tal independência política aos agentes públicos responsáveis pelo controle e fiscalização do sistema bancário e financeiro, além de todo o poder para formular a política monetária? Tanto mais quanto a história recente tem demonstrado que o exercício da Presidência do Banco Central é mera passagem em currículos de indivíduos que marcaram sua vida profissional, antes ou depois desse importante cargo, como operadores estratégicos de pesados interesses privados no sistema financeiro.

A suposta independência seria, na verdade, conferir para todo o sempre no texto legal algo que já ocorre apenas de fato. Ao que tudo indica, não teria sido suficiente a edição da Medida Provisória 207, em 2004, para blindar o Presidente do Banco Central, equiparando-o ao cargo de Ministro de Estado. Uma aberração na estrutura da Administração Pública, uma vez que o cargo está subordinado hierarquicamente a outro Ministro, o responsável pela pasta da Fazenda.

Desde a sua criação em 1965 até o momento presente, houve 23 nomeações de presidentes para o cargo. Mas como a permanência no posto depende, entre outras inúmeras razões, do sucesso obtido na condução da estabilidade econômica, ao longo do período de inflação elevada e dos incontáveis planos de ajuste monetário, a longevidade do indicado era baixa.

Com exceção de um longo período durante a ditadura militar, os primeiros 21 indicados ficaram no cargo um tempo médio pouco superior a um ano: 13 meses. Apenas Ernane Galveas logrou ficar 6 anos (1968 a 74) e Paulo Lira permaneceu 5 anos (1974 a 79).

Após o Plano Real e a crise cambial de 99, a estabilidade da economia brasileira fez com que longevidade no cargo fincasse pé. Armínio Fraga fechou em 4 anos, até o fim do segundo mandato de FHC. E em seguida, o recorde absoluto vem sendo conferido ao ex presidente internacional do Bank of Boston: quase 8 anos, mais precisamente 89 meses na Presidência do órgão.

A abertura de nosso sistema financeiro aos bancos internacionais e a privatização de importantes instituições bancárias pertencentes aos governos dos Estados serviram como ponto de referência para uma guinada no sistema.

Tais processos tiveram curso a partir da década de 1990, e desde então a participação dos bancos estatais no sistema viu-se bastante reduzida. Não apenas passou a prevalecer a lógica de atuação mais pura da banca privada, como também, e principalmente, as regras do mercado passaram a ser cada vez influenciadas pelos principais agentes financeiros do cenário internacional.

Inserir na letra da lei a independência ao Banco Central neste quadro seria um absurdo! Não existe nenhum suposto saber científico ou conhecimento técnico dos processos econômicos para justificar eventuais decisões apresentadas como “isentas” por parte do cidadão que toma, circunstancialmente, assento na diretoria daquela instituição.

Há diferentes modelos de compreensão da dinâmica econômica, distintas formas de explicação do fenômeno econômico, um sem número de propostas de solução para as recorrentes crises do capitalismo.

Isso para não mencionar os debates a respeito do modelo de desenvolvimento mais adequado ao nosso País e a forma como a condução da política monetária deve a ele se subordinar. Toda decisão de política econômica tem interesses envolvidos, sejam contra ou a favor. Trata-se de decisão de caráter absolutamente político. E como tal deve ser tratada, sem nenhum véu de neutralidade.

Todos sabemos que, mesmo sem a existência do amparo legal da independência da instituição, durante esses oito últimos anos, o Presidente do Banco Central conseguiu conduzir a política de juros mais elevados do planeta, claramente na direção contrária da opinião da grande maioria dos brasileiros. Fico a imaginar o que não teria ocorrido se a independência estivesse assegurada na forma de um mandato “imexível” com apoio de dispositivo legal.

(*) Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do Governo Federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10

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