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ARTIGO: A Copa do Mundo é nossa?

Com informações de: Juca Kfouri*

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Para começar o jogo, pense nisso: na França, em 1998, o presidente do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo foi Michel Platini, melhor jogador da história do futebol francês até que, naquela Copa, Zinedine Zidane lhe tomasse a coroa. Platini não era o presidente da FFF, a Federação Francesa de Futebol.

 

Na Alemanha, em 2006, o presidente do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo foi Franz Beckenbauer, o Kaiser, melhor jogador da história do futebol alemão até hoje. Beckenbauer não era o presidente da DFB, a Federação Alemã de Futebol.

 

No Brasil, para 2014, o presidente do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo é Ricardo Terra Teixeira, que jamais jogou futebol.

 

Teixeira é também o presidente da CBF, a Confederação Brasileira de Futebol.

 

A secretária executiva do COL é sua filha, neta de João Havelange; o diretor jurídico é também advogado de Teixeira e o homem de imprensa é o mesmo da CBF.

 

Para continuar o jogo, ainda no primeiro tempo, lembre-se disso: o estádio do Morumbi, que há 50 anos serve o futebol mundial, palco de decisões da Copa Libertadores da América com as presenças do São Paulo, do Palmeiras e do Santos, além de já ter recebido um sem-número de jogos da Seleção Brasileira, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, e de ter sido sede dos jogos do Corinthians no primeiro Mundial de Clubes da Fifa, foi descartado para receber os jogos da Copa 2014, cinco ou seis no máximo, num evento que dura trinta dias.

 

Ao se submeter aos caprichos de Teixeira, brigado com a direção do São Paulo FC, dono do Morumbi, três governadores tucanos esqueceram do lema da cidade paulistana – Non ducor, duco (Não sou conduzido, conduzo) – e se submeteram ao despautério de construir um novo estádio numa cidade que tem também o Pacaembu e terá a nova arena do Palmeiras.

 

Orgia de construção de novos estádios

Em compensação, estão em construção estádios em Cuiabá, em Manaus e emBrasília, onde nem futebol realmente profissional há. Como se ergue outro no Recife, embora a cidade tenha três estádios e seus três donos, o Sport, o Santa Cruz e o Náutico, já tenham anunciado que não cogitam a possibilidade de usar a nova arena. Natal também tenta erguer seu estádio, chamado Arena das Dunas, Sanud ao contrário, e ali pelo fim do jogo voltaremos à alusão aparentemente tão estranha.

 

É importante frisar que, quando a Copa do Mundo foi realizada nos Estados Unidos, nem sequer um estádio foi erguido para recebê-la, assim como a França, quatro anos depois, construiu apenas um, o Stade de France, em Saint-Denis, nos arredores de Paris.

 

No Brasil, porém, o Maracanã foi demolido para ser feito outro, embora o lendário santuário do futebol tenha sido reformado para os Jogos PanAmericanos de 2007.

 

Do mesmo modo, acontece com o Mineirão, e na São Paulo do Morumbi, do Pacaembu e da nova arena do Palmeiras, ergue-se, em Itaquera, o Fielzão, para o Corinthians.

 

No Rio de Janeiro, por sinal, existe o mais moderno estádio do país, o Engenhão, inaugurado no Pan e nem cogitado para receber jogos da Copa.

Porto Alegre, Curitiba, Salvador e Fortaleza também estão na festa dos estádios, seja na reforma do Beira-Rio, na ampliação da Arena da Baixada ou da reconstrução da Fonte Nova e do Castelão.

 

Enquanto isso os aeroportos, as estradas, a rede hospitalar, a hoteleira…

 

Em torno da construção de arenas esportivas, por sinal, não são poucas as mentiras que se inventam para justificá-las.

 

Não é verdade que sejam,necessariamente, polos de progresso para as regiões em que se instalam e basta olhar exatamente para a região do Engenhão para constatar.

 

Do mesmo modo acontece no Soweto, em Joanesburgo, que não foi beneficiado pela construção do Soccer City, um estádio desnecessário e a quatro quilômetros do histórico Ellis Park, o estádio em que Nelson Mandela quebrou de vez o preconceito dos negros com o rúgbi, esporte dos brancos, ao ir prestigiar a final da Copa do Mundo da modalidade.

 

É famosa a história que cerca a New Orleans Arena, inaugurada em 1999 com capacidade para receber vinte mil pessoas que só provou mesmo sua utilidade, segundo os habitantes da cidade na Louisiana, quando o furacão Katrina, em 2005, destruiu a região e o ginásio foi usado como abrigo dos que perderam tudo.

 

O significado de uma Copa do Mundo

É preciso ter claro o significado de uma Copa do Mundo. O livro Soccernomics, escrito por Simon Kuper, colunista esportivo do Financial Times, e pelo economista Stefan Szymanski (Editora Tinta Negra, 310 pp.), mostra que a Copa do Mundo nada mais é que o anúncio, que dura trinta dias, de um país.

 

Anúncio que corre apenas só um risco: ser um mau anúncio. O livro demonstra que sede alguma de Copa do Mundo ganha dinheiro por recebê-la, mas que a questão nem é essa. Os autores convidam os governantes a falar a verdadepara seus povos e a fazer a pergunta que os verdadeiros estadistas devem fazer: quanto custa manter um país feliz por um mês? Conforme for a resposta, vale a pena pagá-lo e, de fato, quem recebe um evento como a Copa do Mundo de futebol passa trinta dias feliz e orgulhoso. Não é preciso, portanto, mentir, inventar e, muito menos, criar monstros como as licitações e orçamentos secretos.

 

O governo Lula obteve vitórias incontestáveis ao trazer os dois maiores eventos da humanidade, a Copa e a Olimpíada, para o Brasil. E foi ele, porque tanto Ricardo Teixeira quanto Carlos Nuzman, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, em governos anteriores desde Fernando Collor, tinham tentado e amargado mais que fracassos, verdadeiras humilhações.

 

Foi exatamente na gestão do presidente monoglota que as vitórias vieram e países como os Estados Unidos, com Barack Obama na campanha, foram derrotados.

 

O risco, no entanto, dos enormes triunfos se transformarem em derrotas escandalosas existe e não é pequeno.

 

Porque se o Brasil pode perfeitamente fazer a Copa do Mundo do Brasil no Brasil (se a África do Sul fez, por que não faríamos?), não pode, nem deve, fazer a Copa do Mundo da Alemanha no Brasil.

 

E a orgia das construções de novos estádios, em vez de priorizar o legado às cidades, demonstra que estamos tentando dar um passo maior que nossas pernas.

 

No finzinho do primeiro tempo é preciso lembrar que, em artigo assinado na página 3 da Folha de S. Paulo, Teixeira garantiu que esta seria a Copa da iniciativa privada.

 

Mas um estudo do Tribunal de Contas da União já demonstrou que nada menos do que 98,5% do que se gastará para fazer a Copa será de dinheiro público, do BNDES, da Infraero e da Caixa Econômica Federal, sem falar de incentivos e isenções fiscais, porque, como se sabe, a Fifa não pagará nem um tostão de impostos por tudo que disser respeito à Copa.

 

É hora do intervalo, para pensar.

 

Todo e qualquer país que se candidate a receber uma Copa do Mundo, do mais poderoso ao mais humilde, de quebra entrega boa parte de sua soberania.

 

Porque a Fifa, que se orgulha de ter mais filiados que a ONU (e tem mesmo, 208 contra 192), não brinca em serviço e tem sede pantagruélica. Basta dizer

 

que a cerveja que patrocina a entidade, dos Estados Unidos, foi a única encontrável nos estádios da orgulhosa Alemanha, para desespero do Partido Verde local, indignado com o desrespeito à tradição, e à qualidade, da bebida alemã.

 

No Brasil não chegaremos a tanto, mas veremos a suspensão da lei que impede a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, porque a mesma Budweiser vem aí.

 

Futebol no mundo globalizado

Mas, afinal, que fenômeno é este, do que estamos falando?

 

Assunto para o segundo tempo.Porque é impossível entender o que culmina com a Copa no Brasil sem entender o que se passou com o futebol no mundo “golbalizado”, com o perdão do trocadilho infame já feito uma vez, três anos atrás, para um texto feito por este escriba para a revista Política Externa, praticamente aqui reproduzido com as obrigatórias atualizações.

 

A Terra é uma bola, como se sabe. E joga-se bola na Terra por todos os cantos.

 

E a Terra é uma bola cada vez menor, do tamanho de uma de futebol. Que também se transformou com a tal da globalização.

 

Da primeira Copa do Mundo transmitida para o mundo inteiro pela TV, em 1970, no México, a chamada aldeia global testemunhou o incrível crescimento de uma de suas mais influentes multinacionais, a Fifa, com sede na Suíça, em Zurique. E quem melhor soube aproveitar o desenvolvimento do futebol como um negócio extraordinário foi o continente europeu.

 

Não há sequer um grande nome do futebol mundial que não esteja na Espanha, na Itália, na Inglaterra ou na Alemanha. E os países periféricos, embora tecnicamente do Primeiro Mundo do futebol sob ponto de vista do talento que produzem, se transformaram em meros exportadores de pé de obra, numa inversão tal de valores que em vez de exportarem o espetáculo acabam por exportar os artistas.

 

Brasil e Argentina são os dois mais eloquentes exemplos do fenômeno no continente americano, algo que afeta também, e cada vez mais, a África.

 

Não fosse assim e a Seleção Brasileira teria mais que apenas dois jogadores que atuam no país convocados para defendê-la no começo das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Ou no time pentacampeão, em 2002, na Ásia, teria mais que só o goleiro Marcos e os volantes Gilberto Silva e Kléberson entre os titulares, os dois últimos, em seguida, vendidos para o exterior. E por quê?

 

Porque nem o real nem o peso podem concorrer com o dólar ou com o euro, dizem os conformados – e os cartolas que lucram com tal estado de coisas.

Dos cartolas duas CPIs recentes no Congresso Nacional já trataram devidamente.

 

E uma investigação da parceria Corinthians/MSI, feita pela Polícia Federal, dois anos atrás, apenas acrescentou novas informações sobre os métodos da lavagem de dinheiro indiscriminada, que também é face da globalização, para legalizar dinheiro de drogas, contrabando de armas e outros crimes.

 

Trata-se de crime, também transnacional, é claro.

 

 

 

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